sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Um relax por aqui: Opinião : Filhos do Impossível

Por Ricardo Gondim.

Se é para nos inebriarmos com alguma coisa, que seja com o vinho do espírito. No vento selvagem, que nos tange de um lado para o outro como fraldas no varal, deixemos que o belo, o formidável e o deslumbrante no preencham. Se existe alguma gravidade espiritual, que ela nos dobre sob o jugo da mansidão.

Que uma presença nos mergulhe no mistério insondável. Soltemos os braços, relaxemos os ombros, aliviemos o maxilar e naveguemos no oceano infindável do transcendente; ele é suave. Sejamos convencidos de que a sombra de Deus se revela na asa da graúna, no ribeiro despretensioso, que corre por algum vale, no olhar do idoso e em todo gesto de amor. Encharquemos os corpos com o azul do céu. Não esqueçamos: o universo sem fronteiras é fonte de medo e de verdade.

Aprendamos a gostar de pequenos gestos. Relembremos momentos fugidios – aqueles que só existem na retina dos olhos espirituais. Nunca deixemos morrer sorrisos, toques e sílabas soltas; essas pequenas lascas da eternidade nos marcam como filhos e filhas do Altíssimo.

Todos carregamos um estojo de joias no peito; nele conservamos o único tesouro que a ferrugem não corrói: nossas memórias. Sejamos cuidadosos em preservar o dia em que algum amor gentil nos salvou do desdém, e alguma hospitalidade nos ensinou a força do bem querer.

Tocados pelo imarcescível, deixemos que a esperança nos dê coragem. Combinemos a genialidade do poema, a doçura da prosa com a erudição do pensamento para ganhar o impulso de correr e pular de alegria.

Se nos abandonarmos no abraço divino, tudo nos arrebatará. Meio loucos, imaginaremos a vida traspassada pela eternidade. Sentiremos parte de um mundo extraordinariamente impossível. Nossa atenção se manterá fixa nos horizontes mais improváveis.

Deixemo-nos aquietar, igualmente, nas mais imensas catedrais – desde que vazias. Desafiemos o destino. Não desistamos, mesmo que as trilhas tenham o nome de Melancolia. Guardemos a sensação de que viajamos ao lado de um estranho companheiro – aquele que possui o dom de fazer os corações arderem.

Que sobre o imperativo de nos revestirmos de gentileza. Que reste vontade de desfazer os nós tanto da discórdia como da guerra. Que rebentemos com a lógica da intolerância. Que nos inundemos de benignidade. Cumpriremos a sina de viver caso nunca percamos o ímpeto de esperar, e forjar, um mundo em que justiça e paz se beijam.

Soli Deo Gloria

Ricardo Gondim é escritor e teólogo, presidente da Convenção Betesda Brasil. E-mail: ricardogondin2@gmail.com.

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