Por
Ricardo Gondim
Há
quase 40 anos gasto a maior parte dos meus dias com assuntos ligados à
espiritualidade e religião. Como líder de uma comunidade que se pretende
cristã, o tema principal de minhas falas se concentrou na “salvação da alma”.
Acreditei na urgência de preparar meninos, meninas, mulheres e homens para a
vida depois da morte. Mudei, ultimamente. Encaro como dever convocar as pessoas
a reescreverem suas histórias, aqui e agora. Desisto de minhas antigas ênfases.
Hoje
concebo a mensagem do Evangelho, não como mapa para o nirvana, mas como convite
à vida. Convém ser salvo enquanto há fôlego. Não creio que a mensagem cristã se
reduza a carimbo no passaporte, uma garantia de entrada no céu. Eu a percebo
como incentivo a uma existência que valha à pena.
Alinhavo
o pensamento, mais ou menos, na seguinte linha: quem não consegue uma vida
bonita do lado de cá da sepultura, dificilmente a experimentará no além. Os
intolerantes continuam intolerantes, mesmo depois de mortos. O tempo, ou mesmo
a ausência dele, não purga nenhuma malvadeza. A morte pode congelar, não
redimir.
A
mensagem de Jesus propõe uma espiritualidade encarnada, nunca desencarnada. Ele
chamava as pessoas a uma existência significativa. Jesus não arremessava para a
estratosfera o dever terreno de ser justo, solidário e compassivo; ele nunca
intentou projetar na eternidade o dever de nos humanizarmos no presente. O que
é preciso fazer para ganhar a vida eterna? (Um jovem rico fez essa pergunta). O
que torna alguém espiritual? A pessoa fica sensitiva, menos conectada com o
material e passa a preferir o mundo sobrenatural, a este que vivemos?
Há
pouco, em um enterro, ouvi de um religioso que esta vida não vale nada e que
não devemos nos prender a ela. O pobre homem insistiu em dizer que a fé
verdadeira menospreza tanto a alegria (passageira) como a beleza (falsa);
depois, ele passou a convocar os presentes a abrirem mão dos pequenos acenos da
“felicidade mundana”. “Melhor”, dizia ele, “será experimentar os prazeres que
só começarão depois que morremos”. Estranhei seu ascetismo diante de um
defunto. Mas, na hora, disse para mim mesmo: não só discordo, como não desejo
nada do projeto de espiritualidade que esse homem propõe.
Anelo
por uma espiritualidade que me prenda aos detalhes mais simples do dia a dia.
Ao ler a Bíblia, desejo apaixonar-me (e apaixonar meus ouvintes) pelo que me
rodeia. Preciso de uma fé que conscientize do imperativo de começar a curtir a
vida, já. Não almejo empurrar com a barriga os risos, os pequenos prazeres, os
fiapos de satisfação, que posso desfrutar. Afeiçoam-me as pessoas que se
tornaram gentis, humildes, íntegras; elas inspiram minha vocação. A perfeição
de Titã, anjo ou querubim, não me seduz.
Creio
em um projeto de espiritualidade que ajuda a encarar as inadequações como
importantes. Quanto mais preso à vida, mais preparado para a vida eterna.
Quanto mais me sentir responsável pela minha história, mais cidadão do céu.
Entendo “graça” como uma revelação de que posso reconhecer-me eternamente
precário, sem nunca deixar de ser amado.
Sempre em construção. Livre do fardo da culpa.
Preparar
para o céu é bem mais fácil do que instruir para a vida. Sei, entretanto, que
devo optar por essa porta estreita. Estou certo de que nesse caminho menos
trilhado, fico mais próximo da mensagem de Jesus.
Soli
Deo Gloria
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Ricardo
Gondim é escritor e teólogo,
presidente da Convenção Betesda
Brasil. E-mail: ricardogondin2@gmail.com