Ricardo Gondim
Mesmo que alguém tenha certo
controle sobre os seus atos, não terá quase nenhum sobre os desdobramentos.
Nossas escolhas se expandem ou prolongam com autonomia. Cada ato alça vôo e se
desprende das mãos de quem o iniciou. A obra de cada um ganha vida própria
imediatamente após sua concretização. O tempo que tudo destrói,
contraditoriamente, tem força de perenizar uma simples ação. Toda faca jogada
para o alto desce. O pão lançado no rio contradiz a correnteza, e volta.
Se a seta desferida não retorna,
a palavra falada faz uma curva e reaparece, arrastando as consequências para
perto de quem a proferiu. A conspiração para derrubar alguém, mesmo beatificada
com bons motivos, fermenta e, anos depois dos conspiradores morrerem, os netos
provarão o fel. As vísceras rasgadas dos Judas não anulam a difusão da maldade
que ele provocou. Está escrito: De Deus não se zomba, o que o homem plantar ele
(ou seus descendentes) colherá. Quem planta raiva colhe ódio; quem planta ódio
colhe violência; quem planta violência colhe morte. Por outro lado, quem planta
bondade colhe amizade; quem planta amizade colhe cuidado; quem planta cuidado
colhe alegria; quem planta alegria colhe felicidade.
Samuel recusou-se a ver o rosto
de Saul mesmo depois dele mostrar-se arrependido. O profeta não queria se
enternecer com a tragédia que a insensatez do rei trouxera. Edmond Dantès
ressuscitou como o Conde de Monte Cristo – e a vida espetacular de Danglars se
transformou em desgraça. A riqueza de Midas guardou maldição.
O provérbio avisa: Os que armam
laços e sem causa abrem covas sofrerão repentina destruição. Eles se verão
enredados nos laços que tramaram ocultamente. Mesmo com toda a misericórdia
divina, os que roubam vida, os que soterram sonhos, os que jogam com a
esperança de inocentes, deveriam temer o Salmo: Feliz aquele que lhe vingar o
mal que você fez. Feliz aquele que pegar os seus filhos e os esmagar contra a
rocha. Algumas vezes o troféu dos triunfantes traz o veneno que condenou a
antiga serpente. O zelo de defender a verdade pode camuflar o ardil do rancor –
nunca infértil – que terminará por desembocar em bestialidade. Mais cedo ou
mais tarde o arrogante vê escrito no templo que edifica com as pedras da
discórdia: Mene, Mene, Tequel, Parsim - pesado foste e achado em falta.
Os pacificadores serão chamados
filhos de Deus. Os mansos herdarão a terra. O fruto da justiça é a paz. A
solidariedade gera concórdia que se transubstancia em tranquilidade. Todo o que
ama é nascido de Deus.
Há momentos em que sentimentos
ilhados, mortos e amordaçados merecem subir à tona para que pessoas
implacáveis, que resfolegam inclemência, acordem: nenhuma capa lhes protegerá
da propagação, e da multiplicação, do que vocês dizem e fazem. A graça mais
eficaz será incapaz de reverter o rio chamado tempo e anular a lei da semeadura
e da colheita. Mesmo rodeados de horror, se pavimentamos nossa trilha com
gestos de bondade, benignidade e gentileza, um dia, lá na frente, encheremos
nossa aljava de vida eterna.
Soli Deo Gloria
Ricardo Gondim é escritor e
teólogo, presidente da Convenção Betesda Brasil. E-mail: E-mail: ricardogondin2@gmail.com
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