Ricardo Gondim
Nos processos de conviver comigo
mesmo, aceitar que gosto de dias menos ensolarados me fez sofrer. Como explicar
a mim mesmo que prefiro as alamedas bucólicas às praias ensolaradas, o nevoeiro dos vales aos palcos iluminados?
Sinto-me bem no crepúsculo. Acho
o fim de tarde um momento divino na existência. Vinho, queijo, pão e poucos
amigos ao redor de uma mesa antes que a noite se consolide, equivale ao dia em
que Abraão acolheu anjos em sua tenda no meio do deserto.
À medida que o tempo passa sou
mais amigo do silêncio. Sob sete chaves, recolho-me no turbilhão dos meus
pensamentos, engasgo com reminiscências. Degusto a saudade nos instantâneos que
passam por minha mente feito fotos digitais que percorrem uma tela. Amargo
deslizes, celebro triunfos; penso como seria a minha história se tivesse
trilhado outros caminhos. Reconstruo a face de velhos amigos. Sofro por não
lembrar o nome deles.
Minha espiritualidade se
intensifica com a areia da ampulheta. Cresce a sede de Deus. Ganho nova fé na
proporção em que me desfaço das frases que davam um sentido infantil à minha
religião. Abandono os contornos sistemáticos de uma teologia racionalista. Dou
adeus ao Deus títere. Salto no vazio do mistério. Sei que só o nada comporta o
tamanho do Divino; e que só a noite escura do não-sei abarca o Infinito. Não
digo que o achei. Me coloco apenas na estrada sem fim do desejo de encontrá-lo.
Não pretendo me apoderar da
felicidade. Na tensão dos momentos alegres e na angústia de saber que
permanecerei indefinido, depuro os minutos que me restam. Minha espera de um
breve momento de paz contém toda a paz do mundo. Na lembrança de uma frase, de
um olhar, de um gesto do encontro que o tempo levou, recrio um universo de
novas expectativas.
Falo pouco. Espanto quem me
conhece. Você é calado?, indagam. Tímido? Talvez. Converso muito com os outros
Ricardos que me povoam. Se muitas vezes mantenho os olhos fixos em um horizonte
inexistente é devido às longas discussões que travamos entre nós. Preferimos
assim, no segredo da alma tratar de nossas feridas ainda abertas, de nossos
desejos inomináveis, de nossas sedes – que só o eterno poderia saciar.
Depois de tudo, sei que não estou
doente de melancolia. Minha introspecção não merece ser revertida; eu deixaria
de ser eu mesmo. Desfigurado pelos papeis que tentam colar em mim, eu seria uma
personagem leve e leviana, brincalhona e superficial, feliz e falsa. Minha
tristeza não é triste; com ela, escrevo, medito e, vez por outra, saio da
caverna para tecer uns comentários precários sobre Deus. E isso me deixa
contente.
Soli Deo Gloria
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Ricardo Gondim é escritor e
teólogo, presidente da Convenção Betesda Brasil. E-mail: E-mail: ricardogondin2@gmail.com
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