Ricardo Gondim
A luta pode ser inglória. Por
vezes, cansa ter que remar. Descobrimo-nos estafados, obrigados a encarnar
Sísifo – o condenado que rolou a mesma pedra, montanha acima, só para depois
observá-la descer, montanha abaixo. Rotina e inferno se confundem. Nem sempre
conseguimos romper com os padrões da monotonia.
Não há como suportar a constante
ameaça de alguma guilhotina – as religiosas são as piores: lei, diabo, ira de
Deus, o bumerangue dos erros. O domingo mal acaba e ficam os imperativos.
Somam-se magistrados, todos ávidos pela cadeira de Moisés. O olhar sisudo dos
competentes desce como juízo sobre o pescoço de quem já anda exausto. Os jugos
pesam porque os ortodoxos contemplam pelo viés oblíquo da não-misericórdia.
Nesse vórtice, encaramos nossa
ambiguidade. No paradoxo, nossa humanidade tanto se aproxima de abismos como se
retrai. Somos como a vaga que se lança sobre a rocha. Construímos ninhos nas
escarpas do penhasco. No precipício, somos transgressivos e por vezes,
comedidos. Persiste uma insubordinação redentora. Ela nos empurra para além da
linha traçada na calçada, que visava nos conter. Notamos, entretanto, que tudo
possui mais de um lado. Humildade tanto pode nos deixar hesitantes como nos
conduzir à gratidão. Moderação evita a arrogância e, ao mesmo tempo, nos rouba
a iniciativa. Somos heróis nos espelhos pendurados nos salões que decoramos.
Não passamos de bufões em camarins onde disfarçamos inadequação. Nossa virtude
contém vícios. Nosso vício nos reconduz à virtude.
Efêmeros, temos vontade de ensurdecer
aos ditames do sucesso. Permitimo-nos usar de licença poética, burlar a
gramática e despejar a alma no mistério. Sem receio de nos ferir, cortar ou
queimar, cedemos à saudade de andar com os pés descalços e de correr sem
relógio.
Depois de tudo, resta resguardar
a alma e evitar os que alinhavam argumentos implacáveis; se uma lógica parecer
inumana, podemos nos trancar em armários e fugir do riso cínico, que deforma.
A vida, para vencer a brutalidade
do cotidiano, carece de um chega. Mesmo que não saibamos explicar, um grito
pode ajudar. E daí, seguir adiante com a alma livre, leve e solta.
Soli Deo Gloria
Ricardo Gondim é escritor e
teólogo, presidente da Convenção Betesda Brasil
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