Ricardo Gondim
"Paulo queria apresentar-se
à multidão, mas os discípulos não o permitiram. Alguns amigos de Paulo dentre
as autoridades da província chegaram a mandar-lhe um recado, pedindo-lhe que
não se arriscasse a ir ao teatro".
(Atos 19.30-31)
Pânico. A multidão se mostrava
pronta para linchar, com demandas religiosas intolerantes e violentas. Paulo
tinha acabado de pregar em Éfeso e a mensagem foi bem aceita. Um grande número,
simpático às novas ideias sobre Deus, mostrou sinais de mudança. Em praça
pública, chegaram a queimar objetos de idolatria e destruir manuais de
ocultismo. Calculou-se a perda em cerca de cinquenta mil moedas de prata.
Demétrio, que negociava artigos
religiosos, incitou a cidade. Sempre que os cofres religiosos são atacados, a
virulência virá proporcional ao prejuízo. Caso Paulo continuasse, o comércio de
quinquilharias corria o risco de inviabilizar-se. Demétrio conseguiu mobilizar
aproximadamente vinte e cinco mil pessoas. Na praça principal, gritavam sem
parar que Diana, a deusa da cidade, era formidável. O ódio religioso incendiou
os corações com mais força do que a fogueira.
Quando Paulo notou a multidão
ávida, não cogitou salvar a própria vida. Seu impulso imediato foi falar. Ele
não viu um grupo insandecido, mas um povo necessitado de luz. O fanatismo cega,
o conhecimento da verdade liberta. Amigos e alguns cidadãos de Éfeso pediram
que Paulo não se expusesse. Era importante preservar a vida. Paulo recusou.
O extraordinário filme de Lina
Wertemüller, Pasqualino Sete Belezas, denuncia que não vale a pena sobreviver
sem dignidade. O personagem, Pasqualino, medíocre anti-herói, se safa em meio
ao fascismo. Sua esperteza custa a vida de amigos, mas ele não se importa.
Subserviente aos guardas, Pasqualino se prostitui com uma soldada, chefe do
campo de concentração. Depois das relações sexuais, a mulher se volta para ele
e diz: A sua sede de viver me enoja. Você encontra forças para uma ereção. Por
isso vai sobreviver. O filme não chega a um desfecho. Pasqualino realmente
sobrevive, mas nos deixa cara a cara com um homem vil e detestável – que vendeu
a alma para preservar-se. Sua existência crua, reduzida à vida biológica, é
menos que humana.
Esta geração carece de homens e
mulheres com o calibre de Paulo. Heróis não lendários, não míticos, apenas
íntegros no mínimo. Heróis, por não se contentarem em permanecer vivos a
qualquer preço. Enquanto impera o oportunismo no jogo bruto do capitalismo
selvagem, na demagogia religiosa e no cinismo político, vale não perder a alma.
Conformismo e comodismo azeitam o moinho de carne da correria por status.
Dominados pelo hedonismo, homens e mulheres não cessam de construir altares
para Deus no próprio ventre. Falta gente com ideais. Por onde andam os
sonhadores – John Lennon, Martin Luther King, Mandela – que não se acovardam
diante da insistência de que tudo continuará a ser como sempre foi?
Leio sobre a obstinação de Paulo
de não recuar diante de uma turba e decido: quem me avisa sobre a inutilidade
das utopias quer me acomodar. O tímido do Apocalipse afirma: melhor covarde
vivo que herói morto – ele, todavia, não é cidadão do reino. Peço a Deus um
coração desapegado dos pusilânimes.
Soli Deo Gloria.
Ricardo Gondim é escritor e
teólogo, presidente da Convenção Betesda Brasil.
Nenhum comentário:
Postar um comentário