Setenta anos após o Holocausto, muitos na Europa não se sentem mais seguros em razão de ações antissemitas
Soldados israelenses em marcha para invadir a Faixa de Gaza - imagens da Web |
Deborah E. Lipstadt/The New York
Times - O Estado de S.Paulo - Há uma velha piada judaica que diz: "Sabe a
definição de um telegrama judeu? 'Comece a se preocupar. Seguem
detalhes'".
Com frequência, colegas judeus me
questionam sobre as atuais manifestações de antissemitismo, particularmente na
Europa: "É como em 1939? Estamos próximos de outro Holocausto?". Até
o momento, minha resposta tem sido um não inequívoco. Tenho criticado líderes
da comunidade que, ou por legítima preocupação ou para chamar a atenção para
propósitos pessoais, usam analogias do Holocausto para descrever as condições
atuais. Tais pretensões são a-históricas. Elas exageram o que acontece no
momento, e reduzem a importância da situação em 1939.As diferenças entre
aqueles tempos e os atuais são desmedidas.
Atualmente, quando há um surto de
antissemitismo, as autoridades o condenam. O que dista anos luz do que
acontecia nas décadas de 30 e 40, quando os governos não só calavam como eram
cúmplices.
No mês passado, os manifestantes
a favor da Faixa de Gaza em Berlim gritavam: "Judeus, judeus, porcos
covardes". Os manifestantes em Dortmund e Frankfurt berravam: "Hamas,
Hamas, os judeus para o gás!" Um manifestante a favor do Hamas em Berlim
saiu da multidão e atacou um homem mais velho que estava parado numa esquina
com uma bandeira israelense.
Algumas semanas atrás, foram
postados cartazes em Roma pedindo o boicote de 50 empresas de propriedade de
judeus. Na semana passada, no centro de Londres, manifestantes contra Israel
tomaram como alvo uma mercearia da rede Sainsbury's, e o gerente,
instintivamente, tirou os produtos kosher das prateleiras (a rede depois se
desculpou). Seria simplista ligar as ofensas aos acontecimentos em Gaza.
Mas esta tendência está sendo
bastante clara há algum tempo. Em março de 2012, quatro pessoas foram mortas
numa escola judaica em Toulouse, na França. Em dezembro de 2012, as autoridades
israelenses alertaram judeus que pretendiam visitar sinagogas na Dinamarca a só
usarem seus solidéus no interior do edifício.
Está se tornando cada vez mais
comum turistas judeus na Europa Ocidental evitarem exibir algo que possa
caracterizá-los como tais. Em maio, um mês antes do início do conflito em Gaza,
quatro pessoas foram mortas a tiros no Museu Judaico de Bruxelas.
Os que tentam reduzir a
importância do que está acontecendo como "nada mais que retórica" não
me convencem. Afinal de contas, é a linguagem que está no centro da
transferência ubíqua da indignação pela ação militar israelense para o ódio
pelos judeus.
Tampouco me consola a explicação
de que estas ações são realizadas por "jovens muçulmanos
descontentes". Segundo uma estimativa, 95% das ações antissemitas na
França são cometidas por jovens de ascendência árabe ou africana. Muitos desses
muçulmanos nasceram na Europa, e muitos dos que não nasceram, são os pais de
uma nova geração de europeus.
É verdade que este não é o
antissemitismo dos anos 30, que nascera da direita e estava arraigado na visão
secular cristã que demonizava os judeus. Tradicionalmente, o Islã não tratou os
judeus dessa maneira.
Mas no século passado, apareceu
uma cepa distinta de antissemitismo muçulmano. Surgida com base na antipatia
pelos não muçulmanos, ela mescla o antissemitismo cristão - levado para o
Oriente Médio pelos missionários europeus - e uma forma secular, mais
esquerdista, de antissemitismo. Ela é evidente nas tiras de conteúdo político,
nos editoriais, nos programas de televisão e nos artigos dos jornais.
A cartilha do Hamas é um exemplo.
Ela contém referências a Os Protocolos dos Sábios do Sião, um documento
notoriamente falso, criado pela polícia czarista russa em 1903, e
posteriormente usado como propaganda nazista. O documento acusa os judeus de
usar sociedades secretas para fomentar os desastres econômicos e políticos
globais. E insta os seus sequazes a se prepararem para "a próxima rodada
com os judeus, os mercadores da guerra".
A fundamentação lógica -
"nada além de retórica", "são apenas muçulmanos" - me
incomoda quase tanto quanto as ofensas. Em vez de tentar negar estas ações, os
principais expoentes da cultura, da religião e das academias dos países onde
estes fatos ocorrem deveriam ficar profundamente abalados, não apenas a
respeito da segurança de seus vizinhos judeus, mas também do futuro das
sociedades abertas, aparentemente liberais, às quais eles pertencem.
Mas quando o porta-voz do Hamas
reiterou sua declaração de que os judeus usaram o sangue de crianças não judias
para seu matzo - uma das mais antigas mentiras antissemitas em circulação - as
elites europeias se mantiveram em grande parte em silêncio.
Setenta anos após o Holocausto,
muitos judeus da Europa não se sentem mais seguros. Contratar um segurança para
proteger pessoas que vão à sinagoga para a oração não é o que um povo seguro
faria. A França registra um considerável aumento do número de judeus que
decidiram emigrar (embora os dados ainda sejam bastante reduzidos).
O telegrama chegou. Os judeus
estão se preocupando. Está na hora de os que prezam uma sociedade livre,
democrática, multicultural e educada fazerem o mesmo. Não se trata de novo
Holocausto, mas é uma situação muito ruim. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK
Deborah E. Lipstadt é escritora e
professora de História Judaica Moderna e Estudos do Holocausto na Universidade
Emory.
Nenhum comentário:
Postar um comentário