Ricardo Gondim
Viver não cansa. Fatigam as
perguntas de quem não quer ter opinião própria, os comentários emburrecedores
de quem não gosta de pensar, as lógicas dos religiosos que adoram encabrestar e
serem encabrestados.
Viver não cansa. Exaure precisar
debater com quem lê 'Veja', ter que ouvir a opinião de quem adora o Diogo
Mainardi e ainda debater com quem nutre a espiritualidade com o Max Lucado, que
abençoou a decisão do Bush de invadir e destruir o Iraque.
Viver não cansa. Desespera calar
diante de vaidade maquiada de piedade; ter que respeitar narcisismo travestido
de desprendimento, fazer vista grossa a escroque de colarinho clerical e calar
com frase do tipo: não critique, eles ganham almas para Jesus e despovoam o
inferno.
Viver não cansa. Chateia explicar
para fariseu de plantão que beber vinho não significa embriaguez e dançar a
valsa na formatura da filha não é promover licenciosidade sexual. Ruim arrazoar
com analfabetos funcionais e tentar mostrar que distinguir música cristã e
música do mundo não passa de picuinha religiosa. – existe, sim, música boa e
ruim.
Viver não cansa. Amarga calar no
descalabro ético de alguma igreja e ainda engolir o arrazoado:a igreja 'X'
cresce e está expandindo o reino de Deus; resultados importam. Difícil assistir
ao esfarelamento da credibilidade do protestantismo e ainda engolir seco
porque: aquela igreja 'X' é como hospital de emergência, lá as pessoas se
convertem para depois se filiarem às igrejas sérias.
Viver não cansa. Horroriza
detectar a agenda megalomaníaca de televangelistas gringos como Benny Hinn,
Morris Cerullo e Mike Murdock. Tenebroso notar que pastores, bispos e
neo-apóstolos são inspirados e movidos pela mesma volúpia de poder. Dá tédio
precisar explicar porque não participo de eventos, marchas e conferências ao
lado desses renomados líderes. Mais triste ainda notar que em igrejas
históricas, muitos só sobrevivem devido à politicagem denominacional, ao
obscurantismo teológico e ao ranço fundamentalista. Péssimo admitir que vários
fazem da vocação pastoral um jeito de ganhar a vida – mas com um esforço
mínimo.
Viver não cansa. Exaure ver as
igrejas lotadas de incautos em busca de um mega milagre porqueao cumprirem a
sua parte, Deus fica obrigado a cumprir a dele. Maçante saber que cada campanha
de oração, que se propõe destrancar os cadeados do céu, foi projetada, na
verdade, para arrancar dinheiro de gente crédula. Triste notar que muitos
líderes religiosos não diferem em nada de políticos venais, que só se interessam
em defender interesses pessoais.
Viver não cansa. Debilita lidar
com a inveja de quem não tem brilho próprio e vive da calúnia. Constrangedor saber que a indústria da música
gospel alimenta narcisismo e vaidade de cantores que jamais seriam bem sucedidos
fora de suas igrejas – para compensar a falta de talento, alguns fazem biquinho
de amor para Jesus e vertem lágrimas forçadas.
Viver não cansa. Faz bem ao
coração lidar com o rapaz e a moça, ávidos por sonhar com um mundo melhor.
Anima conviver com o homem e a mulher, com fome e sede de justiça. Dão novo
alento idosos que destilam uma sabedoria acumulada pela experiência. Encanta
conversar com o poeta e aprender sobre sua intuição. Alegra a alma estar perto
de um bom músico e viajar na delicadeza do som que produz. Estimula notar a
riqueza acadêmica do mestre que divide sua erudição com humildade. A disciplina
do atleta, a veemência do profeta e a sensibilidade do monge têm força para
curar da canseira de quem rouba a esperança.
Viver, decisivamente, não cansa -
é tão bom que dá vontade de não morrer nunca.
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