Igreja
de Valdemiro Santiago terá de devolver dinheiro pago por fiel com câncer
Richinitti
sustentou que é contra a intervenção do Judiciário nos negócios entre
particulares, mas, no caso concreto, isso é necessário.
Para
saber se a oferta feita a uma igreja se deu sob coação moral, o juiz tem de
levar em conta o sexo, a idade, a condição, a saúde e o temperamento do doador,
bem como todas as circunstâncias que influenciaram no ato de doação. Com base
nesse fundamento, expresso no artigo 152 do Código Civil, a maioria dos
integrantes da 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
anulou doação feita por um aposentado com câncer à Igreja Mundial do Poder de
Deus, liderada pelo apóstolo Valdemiro Santiago. Com a decisão, o autor
receberá de volta R$ 7 mil — valor equivalente a sete meses de pensão —,
corrigidos desde junho de 2013.
O
aposentado ajuizou ação anulatória de doação — feita por meio de depósito
bancário —, cumulada com pedido de indenização por danos morais contra a
igreja, no valor de R$ 20 mil, por ter sido iludido na sua boa-fé, já que a
promessa de cura não se concretizou.
A
igreja, no entanto, alegou que a doação foi feita de livre e espontânea
vontade, inexistindo qualquer vício no ato de liberalidade. Também negou a
prática de coação de qualquer natureza, afirmando que a doença do autor não
causou redução de suas faculdade mentais.
No
primeiro grau, a Vara Judicial da Comarca de Nova Petrópolis julgou os pedidos
improcedentes. O juiz Franklin de Oliveira Netto disse que a prova apresentada
não foi capaz de eliminar a dúvida sobre a existência de coação moral ou ardil
na transferência do dinheiro para a igreja. E também porque não foram arroladas
testemunhas no processo. Em suma, o julgador não viu prova de qualquer ato ou
fato praticado pela ré que levasse à nulidade da doação.
‘‘Sequer
é possível afirmar a existência de templo ou qualquer filial da igreja ré nesta
comarca. Em nenhum momento, o acionante [autor da ação] informou onde ocorriam
os cultos, tampouco quem seriam os pastores que promoveram o engodo. Referiu
ter sido influenciado quando assistia a programas de televisão, cujo teor não é
conhecido’’, escreveu na sentença.
Vitória
da divergência
O
relator da Apelação na corte, desembargador Tasso Soares Delabary, concordou
com a sentença, por não identificar coação moral (grave e irresistível ameaça,
física ou não, contra alguém) que impedisse o livre-arbítrio. Ou seja, não
constatou violência psicológica que causasse medo no autor e influenciasse a
sua vontade.
‘‘Destarte,
embora seja sensível à situação pessoal do autor, portador de neoplasia
maligna, bem como não desconheça de certas práticas reprováveis adotadas por
alguns lideres espirituais para a captação de recursos paras os templos
religiosos, não havendo um mínimo de prova de vício de consentimento e nem de
abuso de direito, inviável o pleito indenizatório postulado’’, lamentou no
voto.
O
desembargador Carlos Eduardo Richinitti abriu a divergência e foi seguido pela
maioria do colegiado. A seu ver, quando a fé se mistura com dinheiro, como na
ação analisada, não se está tratando apenas de opção religiosa. O correto é
examinar o assunto como negócio jurídico e, nesse sentido, analisar as
circunstâncias que envolvem cada caso.
‘‘As
doações, que, em verdade, não poucas vezes representam a compra de conforto
mediante a promessa de uma vida terrena ou celestial melhor — ou, como no caso
específico dos autos, de cura para uma doença —, devem ser encaradas como um
negócio’’, complementou.
Richinitti
usou como exemplo a própria Igreja Mundial do Poder de Deus, onde é possível
ver promessas de milagres e pedidos de doações — que podem ser feitas on-line,
em dinheiro, em cartão, à vista ou em prestações. Segundo ele, o mercado da fé
é um grande negócio, e como tal deve ser visto.
Vício
na manifestação da vontade
Nesse
sentido, destacou, é imprescindível examinar se houve vício da manifestação da
vontade do autor, para saber se é válido ou não o negócio jurídico feito entre
ambos — a doação. ‘‘A pergunta que se impõe é: quem, dentro de condições
normais, recebendo o que recebe o autor [aposentado, com renda mensal de R$
1.003,68], faria uma doação, manifestando livremente sua vontade, de um valor
de R$ 7.000,00, que corresponde a praticamente 7 meses de seu rendimento?’’,
questionou.
Richinitti
sustentou que é contra a intervenção do Judiciário nos negócios entre
particulares, mas, no caso concreto, isso é necessário. A seu ver, a livre
manifestação da vontade, na grande maioria das vezes, é mera ficção, pois
pessoas hipossuficientes estão sendo levadas, em nome de conforto espiritual,
por promessas de milagres, a entregar o pouco que têm. E essa conduta é coação
moral, o que invalida as doações.
Para
coibir esses abusos, segundo o desembargador, a solução está na leitura
‘‘sábia’’ do artigo 152 do Código Civil. O dispositivo autoriza o julgador, ao
examinar a consistência jurídica do elemento volitivo que leva ao ato jurídico,
a considerar uma série de circunstâncias que permitem concluir se há ou não
liberdade plena na sua consecução. Dentre esses fatores estão a condição e a
saúde.
‘‘Não
tenho a menor dúvida de que sua manifestação de vontade foi viciada, feita para
obter algo que é prometido, mas impossível de ser oferecido; isso porque, no
campo terreno, não há qualquer condição de assegurar o resultado prometido e
que foi essencial para a consecução do negócio’’, concluiu. O desembargador
indeferiu, entretanto, o pedido de danos morais, pela inexistência de prova
direta das circunstâncias envolvendo sua situação em face da doação.
‘‘No
entanto, também atento a uma necessária vinculação com a realidade fática e
suas consequências jurídicas, não se pode desconsiderar que determinar-se a
revogação de doações feitas a igrejas, acrescidas de indenização de danos morais,
sem um contexto probatório mais sólido a evidenciar transtornos emocionais fora
de uma normalidade aceitável para quem se envolve com esse tipo de situação,
poderemos estar abrindo perigoso precedente, onde as pessoas doam e vêm bater a
porta da Justiça, buscando devolução e indenização por danos morais’’,
advertiu. O acórdão foi lavrado na sessão de 14 de setembro. (Com informações
Conjur/ Por Jomar Martins)
Clique (aqui) para ler a sentença.
Clique (aqui) para ler o acórdão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário