Por
Ricardo Gondim.
Se
é para nos inebriarmos com alguma coisa, que seja com o vinho do espírito. No
vento selvagem, que nos tange de um lado para o outro como fraldas no varal,
deixemos que o belo, o formidável e o deslumbrante no preencham. Se existe
alguma gravidade espiritual, que ela nos dobre sob o jugo da mansidão.
Que
uma presença nos mergulhe no mistério insondável. Soltemos os braços, relaxemos
os ombros, aliviemos o maxilar e naveguemos no oceano infindável do
transcendente; ele é suave. Sejamos convencidos de que a sombra de Deus se
revela na asa da graúna, no ribeiro despretensioso, que corre por algum vale,
no olhar do idoso e em todo gesto de amor. Encharquemos os corpos com o azul do
céu. Não esqueçamos: o universo sem fronteiras é fonte de medo e de verdade.
Aprendamos
a gostar de pequenos gestos. Relembremos momentos fugidios – aqueles que só
existem na retina dos olhos espirituais. Nunca deixemos morrer sorrisos, toques
e sílabas soltas; essas pequenas lascas da eternidade nos marcam como filhos e
filhas do Altíssimo.
Todos
carregamos um estojo de joias no peito; nele conservamos o único tesouro que a
ferrugem não corrói: nossas memórias. Sejamos cuidadosos em preservar o dia em
que algum amor gentil nos salvou do desdém, e alguma hospitalidade nos ensinou
a força do bem querer.
Tocados
pelo imarcescível, deixemos que a esperança nos dê coragem. Combinemos a
genialidade do poema, a doçura da prosa com a erudição do pensamento para
ganhar o impulso de correr e pular de alegria.
Se
nos abandonarmos no abraço divino, tudo nos arrebatará. Meio loucos,
imaginaremos a vida traspassada pela eternidade. Sentiremos parte de um mundo
extraordinariamente impossível. Nossa atenção se manterá fixa nos horizontes
mais improváveis.
Deixemo-nos
aquietar, igualmente, nas mais imensas catedrais – desde que vazias. Desafiemos
o destino. Não desistamos, mesmo que as trilhas tenham o nome de Melancolia.
Guardemos a sensação de que viajamos ao lado de um estranho companheiro –
aquele que possui o dom de fazer os corações arderem.
Que
sobre o imperativo de nos revestirmos de gentileza. Que reste vontade de
desfazer os nós tanto da discórdia como da guerra. Que rebentemos com a lógica
da intolerância. Que nos inundemos de benignidade. Cumpriremos a sina de viver
caso nunca percamos o ímpeto de esperar, e forjar, um mundo em que justiça e
paz se beijam.
Soli
Deo Gloria
Ricardo
Gondim é escritor e teólogo, presidente da Convenção Betesda Brasil. E-mail:
ricardogondin2@gmail.com.
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