Ricardo
Gondim
A
televisão gasta longos minutos na conquista do título mundial de Fórmula I.
Estatísticos se debruçam sobre as chances dos candidatos a presidente dos
Estados Unidos. As bolsas sobem e descem. O mercado vira jogatina. O
capitalismo neoliberal se assume como cassino.
Ao
mesmo tempo, milhões – literalmente centenas de milhões – , agonizam mundo a
fora. A lista dos países em conflito ou no abismo da banca rota,
esfrangalhados, chega a ser longa demais. Enfada citá-los todos. Síria, Darfur,
Iraque, Congo, Líbia e Afeganistão encabeçam. Famílias inteiras se jogam no
mar, andam léguas e léguas, fogem da carnificina. Mas, sem terem para onde ir,
escapam para morrer afogados numa travessia suicida. Convivemos com uma
catástrofe bíblica, épica. Mais uma nódoa na novíssima, e já triste, história
do século XXI.
Não
é possível continuar assim. O mundo se desequilibra. Segue penso. A beira do
abismo desmorona, arrastando milhares ao buraco. Só não é possível entender a
atitude cínica dos países ricos. Em meio a tanto desdém, diante da morte
estúpida e desnecessária de milhões, como querer curar gangrena com band-aid?
Por
que os ingleses não tomam a iniciativa e fazem alguma coisa? Eles foram os
maiores responsáveis pelo retalhamento político do Oriente Médio e da África.
Por que os Estados Unidos não pressionam as Nações Unidas? Eles não titubearam
quando acharam necessário invadir o Iraque. Por que a França, que rapinou sem
escrúpulos suas colônias, não convoca uma força tarefa para acabar com a
mortandade de inocentes?
Eu
não consigo mais assistir mesa redonda, que discute lance polêmico de
campeonato de futebol. Não tolero ler frase infantil e infantilizante que se
pretende “espiritual”. De repente o rosto de milhares de meninos e meninas
parece me encarar desde as ruas bombardeadas em Homs. Não apago o desespero de
quem perambula só com a roupa do corpo por estradas bem pavimentadas da
Escandinávia. Algo tem que ser feito. Não sei como, o quê… Alguma luz precisa
brilhar em nosso horizonte, turvo com as lágrimas de inocentes. Em minha
impotência, me sinto desafiado, fustigado. Mas, o que fazer?
Resolvi
gritar. Decidi inquietar os que me leem. Não posso calar quando o mar pede
socorro. Não saberia brincar com amenidades se meu coração bate descompassado.
Quero a poesia mais dolorida que houver, a melodia mais pungente que o violino
pode tocar, o ritmo mais cadenciado que o sino dobra. Em meio a tanto
sofrimento, que eu não me assente na roda de quem escarnece da sorte de meus
irmãos. Eles não pediram para nascer no meio do inferno.
Quero
acabar com a indústria bélica. Sonho com uma sociedade sem ódio religioso.
Cogito um mundo sem a lógica neoliberal, que privilegia o capital e a
competência. Não posso. Sou apenas um cisco no celeiro dos grandes. Resta-me
oferecer o ombro às comunidades islâmicas que abrigam os refugiados que chegam
a São Paulo. Faço o que posso: junto donativos – prato, toalha, cobertor,
roupa, sapato. Quem chega com a roupa do corpo possa, pelo menos, tomar banho.
Mobilizo algumas pessoas rumo à compaixão. Me assumo como evangelista dos bons
gestos. E ainda procuro decorar Castro Alves:
Senhor
Deus dos desgraçados!
Dizei-me
vós, Senhor Deus!
Se
é loucura… se é verdade
Tanto
horror perante os céus?!
Ricardo
Gondim é escritor e teólogo, presidente da Convenção Betesda Brasil.
E-mail:
ricardogondin2@gmail.com
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