Ricardo
Gondim (*)
Ai
de vocês, mestres da lei e fariseus, hipócritas! Vocês dão o dízimo da hortelã,
do endro e do cominho, mas têm negligenciado os preceitos mais importantes da
lei: a justiça, a misericórdia e a fidelidade. Vocês devem praticar estas
coisas, sem omitir aquelas. Guias de cegos! Vocês coam um mosquito e engolem um
camelo.
Mateus
23.23
Os
fariseus desempenharam um papel importante na história. Eles contribuíram
bastante na preservação dos costumes judaicos e no enfrentamento do império
romano na Palestina. Porém, como toda instituição, o farisaísmo teve que lidar
com inúmeras dificuldades. Entre os vários problemas que o farisaísmo enfrentou
nos dias de Cristo, está a noção do porquê existiam. Encantados pelos detalhes,
eles já não discerniam o quadro grande. O farisaísmo se perdeu no momento em
que parou de questionar: Aonde queremos chegar com nossas práticas religiosas?
Qual o sentido de nosso enorme zelo? Caso tivesse a coragem de fazer apenas
essas duas perguntinhas, talvez não sobrasse como sinônimo de hipocrisia,
frieza, demagogia.
O
mesmo mal continua a rondar os religiosos. Muitas vezes, obcecados pelos
detalhes, perdemos o todo de vista. Um dos engasgos da prática religiosa é a
especialização nos pequenos detalhes. Quando pormenores demandam tempo
excessivo e a máquina burocrática devora recursos - tempo, dinheiro – começa o desvio de rota.
Perde-se, a instituição que não consegue justificar sua existência. Sem noção
para onde ir, as cerimônias se transformam em cerimonialismo, as leis em
legalismo e as tradições em tradicionalismo. Ambiente religioso que discute
lei, estatuto, norma interna, não só asfixia como desumaniza. Em ambientes
assim, os meios se tornam bem mais importantes que os fins.
O
único justificável para qualquer instituição religiosa deve conduzir à regra de
ouro – Trate o próximo com a mesma dignidade que você gostaria de ser tratado.
Nada pode consumir mais recurso. Organizações religiosas com sua máquina
gerencial não podem fracassar na primeira lição:Impossível amar a Deus sem amar
ao próximo. Na verdadeira espiritualidade, intimidade com Deus e compaixão
humana se confundem.
Para
que igrejas se tornem fonte d’água para os sedentos de Deus, a mensagem deve
ser, antes de tudo, repleta de bons afetos. Para doarem pão para os famintos de
sentido, seus pés devem ser fincados na realidade. Se pretendem curar os
culpados, não podem deixar de enfatizar a graça - Deus faz a chuva cair,
universalmente, tanto sobre bons como maus. Se procuram aparecer como
acolhimento para os que se sentem órfãos, o portal de entrada dos templos deve
mostrar o aviso: Aqui ninguém será discriminado por nacionalidade, gênero,
condição social, orientação sexual ou cor da pele.
Igreja
que ousa se oferecer em amor, terá como missão o serviço e não a catequese.
Os
fariseus desceram ao ridículo de criar normas para praticamente tudo: Caminhar
mais que um determinado número de passos viola o sábado. Dar o dízimo do
dinheiro, sem esquecer de separar para Deus o sal que tempera a comida. Os
homens ficam imundos se apertam a mão de qualquer mulher menstruada. A
discussão sobre a falta – ou não – de uma virgula no texto consumia dias
inteiros. No exercício imbecil de especializar-se em detalhes, o farisaísmo
criou monstros. Sacerdotes conspiraram, delataram e assassinaram; exatos na
interpretação literal dos textos, mas inclementes.
Jesus,
ao contrário, nunca pretendeu ser um novo codificador do judaísmo. Ele não se
importou em preservar a fé nacional ao elogiar um centurião romano: Nunca vi em
Israel alguém com fé semelhante a deste homem. O pedido de socorro de uma
mulher estrangeira, siro-fenícia, o comoveu até as entranhas. Assim, logo após
ensinar os discípulos que a missão deles se restringiria aos judeus, voltou
atrás. O estrito cumprimento da lei não
representou empecilho e uma mulher prestes a morrer apedrejada foi perdoada.
O
demônio que ronda os espaços religiosos se especializou em desvios de rotas.
Ele se preocupa em fazer com que tolices sejam ampliadas e o mais importante,
esquecido. Por isso se diz: o diabo mora nos detalhes.
Soli
Deo Gloria
(*)
Ricardo Gondim é escritor e teólogo, presidente nacional da Igreja Evangélica
Betesda
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