Ricardo Gondim
Escrevo quase todos os dias. Não
cumpro nenhum ritual ao me sentar para essa hora sagrada. Não rogo a Deus por
inspiração. Nunca medito. Uma compulsão me arrasta para o teclado e começo.
Simplesmente. Daí em diante, deixo de ser dono dos pensamentos. Na maioria das
vezes eles me dominam. Tem dias que chego ao teclado com uma frase mal esboçada
– frase sem gabarito de sentença. Basta rabiscar as primeiras idéias e algumas
palavras já se rebelam, seguindo o próprio curso.
Escrevo por me sentir desafiado
pela metáfora. Fico fascinado por figuras de linguagem, que não só ilustram
como revelam os conteúdos mais intensos da palavra. Na metáfora, amor vira lobo
que anda em circulo para alimentar a matilha. Saudade invoca a dor de arrumar o
quarto do filho que já morreu. Paz e criança dormindo se igualam. Deus se
incorpora numa sarça em fogo, que não se consome. O paraíso fica nas margens de
um rio juncado de árvores cujas folhas servem para a cura das nações. Achar a
metáfora inédita se transforma, portanto, no maior desafio de quem ousa
desafiar as palavras.
Escrevo porque acredito na
palavra impressa. Só na grafia está o poder de derrubar tiranos, enaltecer a
justiça, destruir preconceitos e expandir consciências. Os discursos são
impermanentes. As verborragias se diluem, inconsequentes. Os colóquios não
subsistem ao tempo. A palavra escrita permanece viva e eficaz. Os livros
sobreviverão ao mundo virtual. Até os melhores tribunos precisam redigir seus
discursos. Os mais eloquentes pregadores corrigem a fala antes de subirem ao
púlpito. O escrito escondido confere densidade ao palestrante que os ouvintes
sequer imaginam. Quem escreve nunca tagarela. O contrário também é verdadeiro,
o discurso só pode ser considerado bom se conseguir virar texto.
Escrevo sem saber o impacto do
texto. Sei que serei filtrado por diferentes análises, em diferentes contextos,
a partir de diferentes preconceitos e com diferentes expectativas. Acredito que
a palavra nunca retorna vazia para o criador. Antes provoca curiosidade,
discordância, aceitação, crítica. Tudo o que se redige fica e desafia para uma
reflexão mais profunda. A palavra, espada de dois gumes, divide, salva e mata.
O bom escritor, hábil esgrimista, só carece de uma estocada para deixar o
leitor de joelhos.
Nas vezes em que autografei livro
em alguma livraria, eu sabia que sob o olhar de gigantes como Shakespeare,
Camões, José de Alencar, Machado de Assis, Rubem Braga e Graciliano Ramos eu
era o menor. Leio suas obras e reconheço: não passo de um aprendiz entre gênios
de primeira grandeza. Ouso publicar, postar e divulgar minha redação por
acreditar que vale a pena deixar um pedaço da alma para a próxima geração.
Ricardo Gondim é escritor e
teólogo, presidente nacional da Igreja Evangélica Betesda
Nenhum comentário:
Postar um comentário